Crossdresser, Hideaki Kobayashi, comenta sua perspectiva sobre a liberdade de expressão no Japão

Na matéria anterior, apresentamos Hideaki Kobayashi como uma das personalidades que contribuiu na popularização do crossdressing no Japão, além de sua experiência como um fenômeno social. Nesta continuação, apresentamos a perspectiva dele sobre a sociedade japonesa em relação à liberdade de expressão e suas lembranças de quando participou do Programa da Sabrina, da emissora Record TV, em 2015.


Relação entre liberdade de expressão e religião

Kobayashi já foi convidado de inúmeros eventos relacionados a cultura asiática de diferentes países: China, França, Alemanha, Itália, Espanha, Tailândia, Cingapura, Cuba, Rússia e Vietnã. Com a sua experiência em ter visto de perto culturas e costumes diversos, ele compartilhou conosco sua hipótese sobre a possível relação existente entre a liberdade de expressão e/ou a identidade de gênero, além da religião, um tanto convincente.

“Acho que as religiões monoteístas, como o cristianismo e o judaísmo, com um único Deus, tendem a ser menos receptivos em relação ao crossdressing. No budismo, por exemplo, acreditam que existem inúmeros deuses. Nesses casos, então, aceitam a diversidade com mais naturalidade. A Tailândia é um paraíso, um paraíso para os crossdressers. Acho que é um dos países mais receptivos. Mesmo sendo igualmente no sudeste asiático, países como Malásia e Indonésia, a religião predominante é a islâmica, que é monoteísta. Por isso, parece que o crossdressing não é muito bem aceito nestes países”.

Sailor Fuku Ojisan em frente a torre Eiffel, em Paris, França

Liberdade de expressão no Japão

Mesmo considerando que a liberdade de expressão tem se tornado mais diversa e crossdressing também esteja ganhando mais espaço socialmente, é inegável que na situação atual ainda existam japoneses que continuam perseguidos pelos valores ultrapassados.

“No Japão de uns 20 ou 30 anos atrás, a pressão social de que todo mundo tinha que pensar da mesma forma e a necessidade de você se equiparar aos outros era mais forte do que é atualmente. Mais antigamente ainda, há 40 ou 50 anos, havia uma preocupação em seguir um padrão social rigorosamente, como ‘é assim que um trabalhador deve ser’. Era uma época que as pessoas que se desviavam desse padrão social eram consideradas ‘esquisitas’ ou ‘incapazes’. Com esse cenário histórico, é totalmente compreensível que ainda tenham pessoas que se sintam pressionados.”

Entretanto, Kobayashi tenta mostrar uma nova perspectiva a essas pessoas. “Acho que tem muitas pessoas que acabam se obrigando a se equiparar com as outras e acabam se frustrando e sofrendo por não conseguir. Na verdade, isso é um sofrimento desnecessário, porque é algo que deveria se orgulhar. Eu penso ‘isso é ótimo, significa que você tem algo especial, deveria ficar feliz com isso e não sofrer’, mas tem gente que não consegue pensar assim. Mas é fácil de resolver isso, é só ter algum estímulo que faça perceber ‘ok, eu não preciso me preocupar tanto com isso’. E esse estímulo pode ser eu. Se alguém ao me ver conseguir pensar ‘se ele está vivendo bem assim, eu também não preciso me preocupar com alguns detalhes’, já é ótimo.”

Como foi participar do Programa da Sabrina

Ao ser perguntado sobre o momento mais marcante da gravação com a Sabrina, Kobayashi pareceu surpreso por já ter se passado oito anos. Ele relembrou que era a primeira gravação do programa no exterior e disse ter ficado feliz e honrado em ter participado de um episódio tão memorável como esse. Quanto à própria Sabrina e à equipe de produção do programa, ele demonstrou admiração pela sua dedicação e preocupação em tornar o programa legal para os telespectadores.

“Acredito que a equipe era bem antenada ao que era moda na época para ter escolhido Harajuku para gravar. E como a Sabrina era energética. Ela era muito dedicada para fazer um programa legal. Ela via tudo que era interessante nas lojas por onde andávamos. Entrava na loja para perguntar na cara e coragem ‘podemos gravar?’, sem se preocupar com o ‘não’ que às vezes levávamos. Achei muito legal essa proatividade dela.”

Como pode ser visto no vídeo, a avenida principal de Harajuku, Takeshita, estava extremamente cheia de pessoas. É notável que a gravação em um ambiente tão estressante como esse tenha sido difícil. Próprio Kobayashi confirma isso, mas completa que ainda conseguiu se divertir.

“Se me perguntarem se foi complicado, eu diria que sim. Mas acho que deu para transmitir a agitação do lugar exatamente como é para os telespectadores. Acho que fizemos o melhor que podíamos”, acrescenta.

Sobre a cena do karaokê, ele revelou uma curiosidade interessante. Diferentemente do Brasil que os karaokês mais comuns são em bares, onde os cantores mostram seu talento em ambiente coletivo, até para quem não conhece, no Japão é mais comum salas individuais, conhecidos como karaokê box. No entanto, o lugar onde a Sabrina e seus convidados foram, no dia da gravação, era bem peculiar, tanto no Japão quanto no Brasil.

“Aquele karaokê não era um karaokê comum. As paredes eram de vidro e como ficava no primeiro andar de um prédio, todo mundo podia te ver cantando.”

Entre “sim” ou “não”, escolha sempre o “sim”

Kobayashi confessa que apesar de saber se comportar bem em frente às câmeras e ter apresentado sua habilidade vocal no programa da Sabrina, a sua personalidade real é tímida. Inclusive, ele tinha três promessas com ele mesmo: nunca cantar em público, nunca pular de bungee jump e nunca falar inglês em gravações. Duas dessas promessas ele já acabou descumprindo. Mas por um bom motivo.

“Quando pensam ‘e se eu fizer isso?’, alguns acabam desistindo de colocar em prática pelo medo disso se tornar um problema ou acabam pensando só negativamente. Pode ser que decidam não realizar considerando os riscos. Mas ainda pode existir consequências positivas fora do âmbito da nossa imaginação. De fato, o ideal é evitar riscos, mas é só colocar em prática reduzindo as chances de não dar certo. Não é algo tão nobre ao ponto de chamar isso de lema, mas o que sempre pensei é: se existem as opções ‘sim’ ou ‘não’, devo sempre escolher o ‘sim’. Se bem que escolhendo sempre só um único lado, o caminho da minha vida acaba sendo bem curvado (risos) Mas de todo caso, acontecem muitas coisas legais.”

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