As bolhas

Nelson Fukai*

A comunidade nikkei na cidade de São Paulo, e acredito que também em várias outras cidades do interior, vem sofrendo nos últimos anos um fenômeno que podemos chamar de ultra segmentação. Isto também existiu no passado, mas de uma forma mais suave. Atualmente, grupos de nikkeis com um mesmo interesse, sejam esportivos, sociais ou culturais, acabam se fechando em mini bolhas e pouco interagem com o resto da comunidade. E o conjunto dessas mini bolhas formam uma bolha maior, dos que ainda são ativos em atividades da comunidade, mas que no conjunto total dos nikkeis representam uma minoria.

Em tempos antigos, principalmente jovens e crianças participavam de várias atividades simultaneamente. A grande maioria frequentava escolas de língua japonesa (nihon-gakou) e kaikans. Quase todos praticavam duas ou mais modalidades esportivas, fora as culturais, religiosas e sociais. Havia então uma grande integração entre os nikkeis. Depois haviam as competições esportivas regionais de várias modalidades esportivas, que terminavam no grande campeonato intercolonial, envolvendo todas as regionais do Brasil, inclusive a capital. Beisebol, atletismo, tênis de mesa e judô eram os principais esportes. Isso tudo envolvia entre atletas, técnicos e dirigentes, muitas dezenas de milhares de nikkeis em todo o Brasil. No período pós 1960, com uma certa benevolência dos isseis que comandavam as entidades, os encontros sociais entre jovens começou a crescer, tanto no interior como na capital. No interior eram conhecidos como brincadeira dançante e na capital chamados de bailinhos e tiveram seu auge entre o fim dos anos 60 e os primeiros anos da década de 70. Só na cidade de São Paulo chegaram a acontecer simultaneamente dez bailes carnavalescos promovidos por nikkeis. Eram grandes eventos sociais, esportivos e culturais que envolviam dezenas de milhares de nikkeis de todas as idades. Tudo isso foi muito forte até os anos 80 do século passado. O enfraquecimento dessa grande gama de atividades deu se na mesma época em que começou a crescer o movimento de nikkeis indo trabalhar no Japão e a onda de karaokê que invadiu a comunidade. Tudo isso e mais vários seminários promovidos por entidades religiosas, como os que aconteciam na Academia de Ibiúna da Igreja Seicho-no-Ie do Brasil. Foi uma época onde a maioria dos nikkeis participava de várias atividades simultaneamente, fossem elas esportivas, culturais ou sociais.

Os dois primeiros fatores que iniciaram a formação das bolhas, isso no final dos anos 80 do século passado, foram o karaokê e o beisebol. O que antes era lazer tornou se altamente competitivo e os praticantes destas duas modalidades tinham que ter praticamente dedicação exclusiva para terem chances de vitória. Daí pra frente a coisa se expandiu e as bolhas foram se formando em outras atividades sociais, esportivas e culturais. E na cúpula das entidades representativas dos nikkeis também foram se formando bolhas, a maioria envelhecendo sem deixar seus cargos, dificultando a renovação sadia que poderia vir com novas ideias, o que facilitaria o estouro desse casulo.

Somando todas os participantes dessas bolhas, não representam mais do que 20% de toda a comunidade nikkei que ainda vive no Brasil. A grande maioria está se afastando cada dia mais, mesmo que muitos ainda queiram manter esse laço, tanto que ajudam a bater recorde de visitantes no Festival do Japão e festas nipônicas Brasil afora. Mas visitar uma festa não é participar de atividades da comunidade, é preciso pensar em coisas novas para agregar mais gente. Está aí um desafio para quem comanda as entidades, em especial a turma do Bunkyo!!

*Nelson Fukai é engenheiro civil aposentado, estudioso da comunidade nipo-brasileira e apresenta visões práticas sobre os nikkeis no Brasil. Contato: nelsonfukai@yahoo.com.br

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