
Traduzido do Diario Brasil Nippou / Texto: Tomoko Oura / Tradução: Soitiro Oura
Nesta e na próxima edição, o Nippon Já publica a história da comunidade nipo-brasileira em Roraima, uma história que teve início em 1955 com
a chegada de 11 famílias e continua nos dias de hoje com aproximadamente 700 nikkeis distribuídos em cerca de 140 famílias
Roraima (RR) é o Estado mais setentrional do Brasil. Sua capital é Boa Vista, a única de um Estado brasileiro a ter sua localização no Hemisfério Norte. As pessoas que vivem em Roraima são chamadas de Macuxi, que deriva do nome do povo indígena que ali habitava. “Eu sou descendente de Macuxi e imigrantes japoneses. Juntando os dois: Jacuxi”, conta, com um sorriso no rosto, o presidente Shiromir Eda (43 anos, nascido em Boa Vista) da Anir (Associação Nipo-brasileira de Roraima). Desta vez, ao visitar Boa Vista para conhecer a situação da comunidade japonesa e refugiados venezuelanos de Roraima, o presidente Eda, que leva consigo a missão de fortalecer a relação entre Japão e Brasil, veio me receber no aeroporto. Ele apresentou vários assuntos interessantes de Boa Vista durante a minha estadia. Como descendente de imigrantes japoneses pioneiros de Boa Vista, é uma personagem a quem tanto o Estado de Roraima quanto a comunidade japonesa local deposita as expectativas.
Para sair de São Paulo e ir à Boa Vista de avião, dura 1 hora e meia de viagem até chegar à Brasília. Nesse ponto, faz-se a transferência de avião, durando mais 3 horas e meia de viagem até pousar sobre o destino. Já vinha ouvindo que “existe vento”, mas, ao contrário do calor vindo do sol brilhante de dia, realmente o vento sempre passava soprando de algum lugar, distinguindo-se da impressão de altas temperatura e umidade que se tem de Manaus. Principalmente os ventos de manhã e de noite, apesar de não chegarem ao ponto de provocar grande frescor, são produtos de um ventilador natural que circula continuamente. As noites são longas durante todo o ano, proporcionando a reunião de famílias e amigos que fazem esquecer do tempo que passa.
A Praça das Águas, no Centro, às vezes é chamada de “mini Dubai” por brincadeira. Possui música e uma fonte de água iluminada por várias cores. Às noites, o açaí que se come em frente a ela, traz uma gostosa brisa de tarde tropical.

Dizem que em Boa Vista existe uma lenda: “Quem beber a água do Rio Branco não consegue mais voltar para outras terras”. Na população e no ar dessa cidade realmente existe uma ternura que cerca as pessoas que vêm.

Monumento – Na margem do Rio Branco que se tornou o marco zero para o desbravamento de Boa Vista, existe um local chamado Praça Barreto Leite. Na escultura chamada Monumento aos Pioneiros, encontram-se esculpidos os indígenas, nordestinos, uma família brasileira embarcada em uma canoa, e, misturado a eles, a figura de um imigrante japonês com um chapéu característico, popular entre os japoneses da época.
Neste ano, passaram 67 anos desde a primeira imigração oficial de japoneses para Roraima.
A comunidade nikkei de Roraima começou com a chegada de 11 famílias em 1955 e 9 famílias em 1961. Depois o movimento significante de imigração japonesa ficou parado. Em 1974, chega a Boa Vista, o já falecido Tadashi Nakayama. Ele pertencia ao mesmo contingente da primeira leva que iria para Taiano em 1955. Entretanto, ele ficou até 1972 no Estado do Pará, e depois permaneceu mais 2 anos em Manaus. E de 1974 a 1975 ficou em Boa Vista, trabalhando com horticultura, e de 1975 a 2015, até falecer, em Iracema, cidade que fica a 100 km de Boa Vista. Foi funcionário da área administrativa do Governo do Estado de Roraima. Seu filho, Raryson Pedrosa Nakayama, foi prefeito de Iracema por dois mandatos: 2009-2012 e 2013-2016. Foi o primeiro prefeito nikkei do Estado de Roraima.

Nos anos de 1980, o governo federal anunciou um plano de colonização de Roraima e recrutou imigrantes de outros Estados. Cerca de 30 famílias nikkeis migraram do Nordeste e do Sul para Roraima, porém algumas famílias vieram independentes deste plano de colonização. Entre os migrantes que chegaram nos anos 80, estava o Nelson Ichikawa, nikkei de segunda geração que teve um papel importante para o desenvolvimento da tecnologia de cultivo de arroz de Roraima e que é respeitado até pelo Estado como o maior agricultor regional de arroz.
Respeito – Segundo o presidente Eda da Anir, atualmente vivem aproximadamente 700 nikkeis distribuídos em cerca de 140 famílias em Roraima. A população de Roraima é de 650 mil pessoas, das quais 430 mil moram em Boa Vista. Os japoneses, concentrados em Boa Vista, representam apenas 0,16% de toda a população da cidade. Entretanto, a ilustração do japonês desbravador que veio de um longe país no monumento que representa a cidade demonstra o respeito em relação ao imigrante japonês e seus descendentes nessa terra.
Consultando a história sobre a imigração japonesa de Roraima escrita pela ex-presidente Michie Fukuda da Anir (Associação Nipobrasileira de Roraima), como pré-história, o primeiro japonês que se tem registro da sua entrada ao Estado é Katsukus Dói (1915~2013). Chegou ao Brasil com aproximadamente 5 anos através do Porto de Santos e foi em 1951 para Tepequém, uma serra que fica a 210km da Boa Vista. Em seguida, foi para Normandia, município do nordeste de Roraima. Tinha entrado em Roraima atraído pela oportunidade de trabalhar com garimpo de diamante e ouro. Trabalhou também como mecânico e piloto. Depois morou um tempo na Guiana Inglesa e em 1970 foi para o município de Bonfim, que fica na divisa de Roraima com a Guiana Inglesa. Foi um dos fundadores do município de Bonfim. Faleceu em 2013 com quase 98 anos.
Os demais japoneses vieram para Roraima em 2 levas: uma em 1955 e outra em 1961. Na primeira leva, saíram do Japão pelo Porto de Kobe no Navio Brasil Maru e foram inicialmente para a fazenda de extração de borracha de Belterra, no Pará. Permaneceram alguns meses trabalhando nos seringais da fazenda até o momento em que o Governo do Estado de Roraima fez um convite para se instalarem em Roraima e desenvolverem a agricultura.
Fizeram um sorteio para decidirem quais famílias iriam a Roraima. Das famílias escolhidas, 2 foram para Boa Vista, e 11 foram para uma região chamada Taiano, a mais de 90 km ao norte da capital.

As famílias que chegaram em Boa Vista são: 1) Eda, família de Kuranosuke e Sui Eda (falecidos); 2) Tsukuda, família de Chizuko Tsukuda (falecida com 99 anos – 15/02/2017).

Família Tsukuda – A família Tsukuda se instalou no Mirandinha, bairro Aparecida, Boa Vista. Produziu legumes e leguminosas durante 10 anos. A família vendia no mercado e foi acrescentando outros produtos como bolachinhas, açúcar, etc. Depois resolveu abrir um comércio no centro da cidade com o nome “Loja do Japonês”. Começou vendendo alimentos, e hoje a loja tem uma ampla variedade de produtos, desde instrumentos musicais até acessórios para eletrodomésticos. A loja que combina bem com a paisagem da rua comercial da cidade é marcada por elementos dos imigrantes japoneses que não desbotam.
E a família Eda também se instalou no Mirandinha, iniciando suas atividades com horticultura. Com o passar do tempo, começou a atuar nas áreas de construção, reforma, paisagismo e jardinagem, que eram pouco desenvolvidas em Roraima. Além da atuação em cargos públicos, um de seus descendentes, Masamy Eda, também atuou como vereador de Boa Vista no período de 2007 a 2014, sendo que foi eleito deputado estadual de 2015 a 2019. Foi o primeiro vereador nikkey e primeiro deputado estadual nikkey do Estado de Roraima. Foi eleito conhecido como o “único candidato que não tem o olho grande”.
Por outro lado, no começo da migração para o assentamento de Taiano, a rede de transporte ainda não existia. A terra era fértil, mas, principalmente na estação das chuvas que cobria a metade do ano, o acesso a outras regiões era impossibilitado e era um ambiente difícil: não se conseguia vender os produtos agrícolas e se ficasse doente só podia ser transportado de avião. Muitos não esperavam o término do prazo de contrato e se mudaram para Boa Vista, Manaus, Belém e alguns chegaram a voltar para o Japão. Quando os imigrantes japoneses da segunda leva chegaram a Taiano em 1961, dizem que encontraram apenas 4 famílias restantes. Esse segundo grupo de imigrantes era formado por 9 famílias e um indivíduo originados da província de Saga, totalizando 53 pessoas.

O ‘rosto dos nikkeis de Boa Vista’ – “Hoje as maiores famílias nikkeis de Boa Vista são as famílias Eda e Dói. Agora já estamos na geração dos netos e diminuíram o número de pessoas que conhecem sobre o início da imigração, mas a Dona Lúcia, administradora do Castelão, empresa de comércio de materiais de construção, é uma das poucas testemunhas vivas que conseguem falar em língua japonesa sobre os primeiros períodos da imigração japonesa até os dias de hoje.” Foi assim que o presidente Shiromir Eda da ANIR (Associação Nipobrasileira de Roraima) apresentou Natsuyo Seki (sobrenome anterior: Dói), conhecida como Dona Lúcia, como uma pista para conhecer uma parte da história da imigração japonesa de Roraima.
Natsuyo é administradora de uma das lojas da maior empresa de materiais de construção de Boa Vista, administrada pela família Dói. Se perguntar sobre Comaco, Caçulão ou Castelão para as pessoas da cidade, todos sabem que são empresas de materiais de construção administradas por uma família japonesa.
Natsuyo nasceu em 1950 na cidade de Kashima, província de Saga, e imigrou para o Brasil em 1961, quando tinha 11 anos, junto com o pai Kensaburo Dói (falecido em 1991), mãe Moyo (92 anos), duas irmãs e um irmão. Embarcaram em março no Navio America Maru no Porto de Kobe e desembarcou em julho no Porto de Belém, no Pará. Transferiram-se para Boa Vista e foram para o assentamento de Taiano, localizado a cerca de 90 km da cidade. A família Dói é uma das famílias que constituíram o segundo grupo de imigração japonesa voltado para Roraima, que assentaram em Taiano com 9 famílias e um indívíduo, todos originados da Província de Saga, num total de 53 pessoas.

Decepção – “Quando saí de Japão, eu era criança e estava com meus pais, então estava animada para ver o Brasil. Fiquei decepcionada quando cheguei a Taiano.” Assim relembra a forte impressão que teve imediatamente após pisar no solo brasileiro.
“Não tinha eletricidade e a água do poço era turva e inapropriada para uso imediato. E não entendia a língua na escola. Resisti com força e paciência: japonês não poderia admitir uma derrota nessa situação. Mas gostaria que o governo japonês tivesse feito pesquisas com mais responsabilidade.” Assim refletiu a caminhada feita até agora, comendo sorvete de açaí natural que substituía o café: “Esse açaí é delicioso!”
A família Dói tinha um contrato para produzir pimenta-do-reino durante 4 anos no Taiano, mas encarou uma situação complicada, logo nos primiros momentos de chegada. A terra era boa, mas apesar da necessidade de chuva no cultivo de pimenta-do-reino, um período de seca continuou durante 2 a 3 meses e a cultura não cresceu. Sem opção, a família teve de tolerar 4 anos produzindo milho e arroz.

Transporte – A condição de transporte da época era um problema ainda mais crítico. Para vender os produtos da colheita era necessário passar por longos caminhos sem pavimentação até chegar a Boa Vista, onde estavam os consumidores. Acrescentando a isso, existem dois rios no caminho entre Taiano e Boa Vista. Havia uma pequena ponte de madeira sobre um dos rios, mas no outro nem existia ponte. Nos períodos de chuva, o caminho era completamente obstruído. Agora, a estrada se encontra asfaltada e a condição de transporte melhorou, mas quando alguém ficava doente não tinha médico nem instituição de saúde por perto. Para realizar o exame médico em Boa Vista, não restavam alternativas se não o transporte aéreo.
Quando o pai da Natsuyo contraiu malária, fez o tratamento com o uso de medicamentos locais durante mais de um ano. “Não dá para ficar no Taiano.” Muitas famílias se transferiram para Boa Vista, Manaus, Belém e alguns voltaram para o Japão. (continua)

Empresa de materiais de construção – A família da Natsuyo também se mudou para Boa Vista após completar o prazo de 4 anos de contrato. Então começou a produzir e vender legumes que ainda não existiam no local como o alface e a cebolinha, e os que já eram populares no Brasil como o couve e o feijão entre outros. Passados 3 anos, a família comprou sua própria terra com o dinheiro juntado e continuou a produção de legumes. Logo foi construído uma avenida sobre essa terra e agora se transformou em um lugar com boas condições logísticas.
“O ser humano fica empenhado em tempos difíceis.” Depois de chegar em Boa Vista, Natsuyo ajudava no trabalho de seus pais e vendia os produtos agrícolas durante o dia e estudava na escola de ensino médio às noites. Casou-se em 1980 com Shirou Seki, nascido em Tomé-Açu, PA. Então, mudaram-se para Castanhal, PA, e conceberam 3 filhos.
Em 1981 o irmão da Natsuyo fundou a empresa de materiais de construção que seria a base das 3 lojas que existem hoje na Boa Vista e o negócio obteve sucesso como um empreendimento pioneiro desse setor. Então a Natsuyo e seu marido voltaram de Castanhal para Boa Vista e começaram a ajudar na empresa do irmão, ficando responsável pela administração de uma das lojas e assim continua até os dias de hoje.
“Olhando para o resultado de hoje, acho que foi bom ter vindo para Brasil junto com a família. Os membros da família têm uma relação fraterna, os japoneses conseguiram sobreviver se ajudando, e um belo salão japonês foi criado com a ajuda do governo japonês e a JICA.” Desse modo, recebendo naturalmente as dificuldades encontradas nos primeiros momentos da imigração, o ar da Natsuyao que digere tanto a alegria quanto a tristeza com o mesmo temperamento tranquiliza as pessoas que estão escutando sua conversa.
Reputação – Natsuyo diz: “Existem muitas pessoas modestas entre os brasileiros de Roraima. Eles receberam bem e mostraram muito respeito em relação aos japoneses. Os descendentes de japoneses também se esforçaram e conseguiram ocupar postos bons da sociedade e possuem uma reputação muio boa. A ligação entre os próprios nikkeis também é forte e se ajudam muito bem. Até a chegada da pandemia, quando faltavam recursos, a Anir (Associação Nipobrasileira de Roraima) também recebia legumes como doações de famílias rurais nikkeis e a seção de mulheres cozinhava e vendia yakissoba para a obtenção de recursos. Natsuyo também já ficou em pé na cozinha muitas vezes.
Há mais de 20 anos atrás, quando seus avós ainda estavam presentes, Natsuyo foi para o Japão duas vezes, mas agora precisa cuidar da sua mãe Moyo de 92 anos e não consegue mais ir para lugares distantes. Até 10 anos atrás, Moyo também comandava as decisões de negócios no Castelão. Agora o seu corpo não tem mais a mesma liberdade de movimento, apesar de continuar com a mente saudável. Assistir aos programas da NHK sendo acolhida pela família da Natsuyo tem se tornado no seu divertimento do dia a dia.
Moyo e Natsuyo fazem comida japonesa dentro de casa. Na cidade de Boa Vista não existem lojas especializadas em alimentos orientais e japoneses, mas recentemente alimentos japoneses começaram a ser vendidos com maior frequência em certas prateleiras do supermercado e ficou conveniente. Natsuyo gosta de fazer udon, gomoku gohan, inarizushi e tempura. “Dependendo da época do ano, rakkyou também pode ser comprado.”

O maior desejo da Natsuyo é que todos ao seu redor vivam com saúde.
Continua na próxima edição
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A elaboração deste artigo foi realizada com a colaboração do presidente Shiromir Eda e Michie Fukuda, que são da ANIR (Associação Nipobrasileira de Roraima), vice-presidente Abdulbaset Jarour do PDMIG – Pacto pelo Direito de Migrar – e muitas outras pessoas de Boa Vista, RR.