‘O samba é meu refúgio’: Dançarina japonesa conta como venceu cyberbulling e chegou a destaque no Carnaval de SP deste ano

Matéria original de Diário Brasil Nippou / Adaptação: Lika Shiroma / Nippon Já

Conhecida pelas performances em lutas de Pro Wrestling, Pieter adotou o estilo para a vida e ganhou o coração de escola tradicional

Acostumada com um público vibrante e “quente”, a dançarina Pieter tomou um susto quando teve de encarar o Sambódromo do Anhembi, no mês passado. Não esperava tamanha energia, por mais que esteja há anos ouvindo coros da torcida. Profissional da New Japan Pro Wrestiling, ela faz performances de tirar o fôlego do público durante as apresentações de lutadores de luta livre, estilo muito popular no arquipélago. Mas, no Carnaval, a realidade é outra.

“A vista era completamente diferente do que eu tinha visto antes”, resume ela. Também, pudera: ela foi escolhida como Destaque (composição) da escola de samba Império de Casa Verde – uma das mais tradicionais do Carnaval paulistano. A escola despontava como uma das favoritas ao título e quase “chegou lá”, amealhando o terceiro lugar a apenas 0,1 ponto de diferença da campeã, Mocidade Alegre.

Sua ligação com o samba remete a 2017, durante um período difícil de sua vida. Pieter sofria cyberbullying  de uma parte dos fãs de luta livre, que resistia às presenças de dançarinas como parte do performance. A pressão foi tamanha que ela procurou um refúgio que fosse antagônico ao mundo da luta. E deu match justamente com o brasileiríssimo samba, ritmo tão distante em termos territoriais – mas tão próximo aos anseios dela naquele momento.

Começou despretensiosamente a dar os primeiros passos no estilo. Na época, facilitou o fato de já ter passado por outros estilos de dança, como reggae, pole dance e gogo dance. “Mas o samba foi o que mais me atraiu, por conta da energia incomparável”, relembra. No ano seguinte, veio ao Carnaval de São Paulo pela primeira vez, e até 2020 continuou participando anualmente como passista das laterais do carro alegórico. 

Disciplina e foco foram preponderantes para a destemida dançarina, já contagiada pelos desfiles carnavalescos. Em 2021 e 2022, a euforia foi contida por conta da pandemia, mas neste ano voltou com força e paixão, pois Pieter poderia matar a saudade da avenida e, de quebra, desfilaria como destaque, ocupando a posição de centro do carro alegórico.

“Não tinha nada na minha frente. Pode até parecer exagero, mas a sensação que dava era que eu estava tomando a frente daquele carro alegórico, de tão diferente que era a vista de lá, comparada com a que tinha visto nos anos anteriores. Senti muita responsabilidade ao pensar que eu era a primeira do carro que chamaria a atenção do público”, contou Pieter, ainda com as emoções à flor da pele.

Superação

Até que conquistasse o seu papel como destaque, foram necessários mais de seis meses para a negociação com a equipe técnica da escola. As escolas de samba valorizam a comunidade local acima de tudo e procuram evitar “privilegiar” pessoas de fora. Porém, Pieter conseguiu conquistar a confiança do carnavalesco da Império, através de incontáveis entrevistas realizadas.

Além disso, os custos para a confecção do figurino deveriam ser arcados individualmente. Mais uma vez desafiada a sair da tal zona de conforto, ela criou uma vaquinha on-line em dezembro, arrecadando um montante de 3,28 milhões de ienes (cerca de R$ 130 mil) até o final de janeiro. “Graças a contribuição de todos foi possível a confecção de um figurino realmente maravilhoso. Algumas pessoas acabaram ficando desanimadas durante a pandemia por conta que tínhamos que ficar isolados, então espero que com a minha participação no Carnaval possa revitalizá-las”, explica a passista de destaque, como a forma de retribuir e agradecer todo o apoio recebido.

Ao rememorar sua trajetória triunfante até aqui, a dançarina, hoje, até agradece as ofensas que recebia antes de conhecer o alegre mundo do samba. “Hoje consigo pensar que foi bom ter passado por aquele período. Todo o mal que falaram de mim se transformou na motivação para que hoje eu pudesse participar como destaque. Então, só gratidão”, reflete Pieter, com confiança. Ela ainda conta que quando começou a performar nos ringues de luta livre, nunca imaginou que um dia estaria participando de um Carnaval em terras brasileiras. “Espero poder compartilhar a alegria e a diversão de todos os dias buscar por uma nova atualização”, pontua.

Curiosidade

Desde a sua infância, o tom de pele de Pieter era naturalmente escuro, o que para alguns acabou virando motivo de deboche. Também já recebeu provocações sendo chamada de “brasileira” com um tom pejorativo. Apesar dessa experiência, ela conta que não tinha nenhuma imagem negativa em relação ao Brasil. Quando visitou o país pela primeira vez, disse que foi tão bem acolhida que sentiu como se estivesse voltado para a sua terra natal.

Pieter é aluna de Tsubasa Miyoshi, instrutor e diretor administrativo da “Vila do Samba”, que fica em Tóquio, no Japão, onde oferece aulas de samba para japoneses e confecciona figurinos com arte plumária. Ele mesmo participou do último carnaval como mestre- sala da Império de Casa Verde, além de ser responsável pela confecção de figurinos de outras escolas também. Em oito anos de atuação, tanto no Brasil quanto no Japão, já foram mais de 100 alunos que Tsubasa trouxe para o Brasil para participarem do carnaval.

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