Aos 87 anos, Maachan (seu nick) é programadora mobile, palestrante e quer mudar o mundo através da tecnologia
A grande maioria dos programadores ou mesmo fãs de tecnologia faria qualquer esforço para um bate-papo com Tim Cook, o CEO da Apple. A japonesa Masako Wakamiya conseguiu tal proeza mais de uma vez. Com orgulho, estabeleceu uma amizade saudável com o americano. “Ele sabe dar ouvido a coisas que outras pessoas também falam”, diz.
Masako atua em um ramo em alta: tecnologia, especificamente na área de programação. Desenvolveu dois jogos voltados à terceira idade e uma plataforma que conecta pessoas. Um currículo normal para quem atua na área, mas totalmente fora da curva para uma senhora de 87 anos. Ficou famosa e hoje é reconhecida como a “programadora mais idosa do mundo”.
Após ser manchete em diversos países, Maachan (seu apelido e também seu nick no mundo digital) já deu diversas palestras – sendo destaque do TEDx Tokyo – falando sobre empreendedorismo, carreira e motivação. Viajou por mais de 60 países e espalha a mensagem de que a sociedade pode (e deve) ser mais inclusiva – especialmente com os idosos.
Em meio ao cotidiano turbulento, a super alegre obatian (avó) atendeu a reportagem do Nippon Já. Na entrevista, Maachan contou sua trajetória, planos e sonhos. Confira:
NJ: Como podemos te chamar?
Masako Wakamiya: Bom, pode ser Wakamiya-san ou Maachan, qualquer um dos dois! (risos)
NJ: Maachan é seu apelido? Então posso pedir sua licença para te chamar pelo seu nick?
MW: Sim, é apelido da minha infância que adotei como meu nick também. Não precisa se sentir tão intimidada. Sou só uma vovozinha!
NJ: (Rs) Como foi que a sra. começou a se envolver com tecnologia? Não teve nenhum receio em começar algo novo?
MW: O meu interesse pelo computador e pela tecnologia veio por eu não ter muita habilidade manual. Assim que me formei no ensino médio, fui trabalhar em um banco. Naquela época ainda não tinham máquinas, o serviço era tudo manual. Até cálculos fazíamos no ábaco. Mas como eu não tinha habilidade manual para esse tipo de serviço, acabava ficando para trás. Já levei muita bronca do pessoal que falavam “você é muito devagar”. Aí acabei me sentindo como um peso para a empresa. Com o tempo, apareceram os computadores conforme o avanço da mecanização, e o pessoal não brigava mais comigo. Porque cada vez mais ia diminuindo os serviços manuais. Graças à mecanização, ao computador e à tecnologia, eu já não era mais um “peso” para a empresa. Por isso eu os considero como meus salvadores.
NJ: E como foi que você aprendeu a mexer?
MW: Foi na prática mesmo, fuçando em tudo. Tinha que aprender na marra, não tinha opção. E isso é ótimo. Porque em escolas e materiais didáticos te apresentam os conceitos já definidos. Por exemplo: Excel. É um programa de planilha, spreadsheat, certo? Então, ninguém pensa em usar para criar estampa de uma camisa como essa [ela mostra a camisa que está vestindo e que ela dezenho no programa].
NJ: Que camisa linda!
MW: Não é?
NJ: Foi Maachan que fez?
MW: Sim. Fiz a arte no Excel e aplicaram em uma esfera, em um programa de 3D.
NJ: Que incrível, não sabia que dava para fazer tantas coisas.
MW: Mas eu não sei usar a planilha para fazer um balanço contábil.
Mas aposto que poucas pessoas pensam em usar o Excel para fazer design.
MW: Isso pode ser verdade.
NJ: Você começou a dominar o computador em casa, nas suas horas vagas pós-aposentadoria? Quando foi que você se aposentou?
MW: Acho que foi quando estava com 62 anos. No Japão, tem casos, como os de funcionários públicos, que no dia do aniversário de 60 anos já se aposentam, mas é só uma média. Tem gente que só muda de cargo de funcionário permanente para temporário. Então, no meu caso também não foi que eu parei de trabalhar de um dia para o outro, foi gradual.
NJ: E com quantos anos você criou o seu primeiro jogo?
MW: 81 ou 82 anos.
NJ: Seu mobile game “Hinadan” é voltado para um público idoso. O que te levou a criar um jogo dedicado à terceira idade?
MW: Primeiro porque o smartphone é muito difícil para um idoso manusear. A mão de nós – idosos – é ressecada e, com o avanço da idade, muitas vezes nem o sangue circula direitinho até a ponta dos dedos. Por isso a tela touch não reconhece os comandos. Mas uma das insatisfações era a falta de aplicativos que fossem divertidos para idosos. Cheguei a pedir para que os jovens criassem esse aplicativo, mas eles disseram que não sabiam quais são as demandas do público idoso para fazer um bom aplicativo. Então, falaram: ‘você, que é idosa, deve entender bem as necessidades desse público. Faça um plano detalhado e descreva os materiais necessários’. Depois que entreguei o projeto, disseram: ‘já que conseguiu preparar isso sozinha, por que não termina de criar o aplicativo você mesma?’. Aí eu respondi: ‘mas não sei como criar’. ‘Não sabe? Mas não tem problema que vamos dar todo suporte’. E assim foi.
NJ: Como foi que aprendeu os conceitos básicos para desenvolver um jogo de smartphone?
MW: Comprei um livro básico e fui aprendendo.
NJ: De onde veio a ideia de usar o “Hinadan”, um jogo de bonecas japonesas como o conceito do jogo?
MW: Para a minha geração, isso é um tema bem familiar. “Ohinamatsuri” é um evento comemorativo para as meninas no Japão, realizado uma vez ao ano. Quando nós éramos criança, mesmo que não tivéssemos “hinadan” grande (uma espécie de altar onde são expostas várias bonecas japonesas, no período dessa data comemorativa) em casa, sempre visitávamos casa de amigos ou parentes que tinham, então era bem familiar. E acima de tudo é bonito né.
NJ: Esse jogo deve servir até para as gerações mais novas aprenderem o que cada boneca representa e sua posição correta no altar, não?
MW: Exatamente! Se um idoso jogasse contra uma pessoa jovem um jogo convencional, é muito provável que o jovem ganhe e o idoso perca, não é? Até porque não conseguimos mais mexer nossos dedos como realmente queremos. Mas no jogo “Hinadan”, os idosos tem a vantagem de já conhecer como posicionar cada boneca em seu lugar, enquanto os jovens não têm familiaridade com isso. Por isso, mesmo que os dedos não movam tão rápidos, conseguimos compensar com conhecimento.
NJ: Pode explicar seu processo para criar jogos? O quão complexo é?
MW: Acho que muitos imaginam que a parte de codificação é a mais difícil. Mas a parte mais importante é saber exatamente o que se quer produzir. Porque – pense bem – mesmo que seja um expert em programação, tem que partir desse princípio de pensar em qual tipo de jogo divertido será produzido, e isso independe da capacidade de programação, certo? Começaram a ensinar programação em escolas, mas mais do que isso, precisavam desenvolver a vontade de criar algo e a capacidade de concretizar essa vontade. Exemplificando: se souber fazer programming flowchart (fluxo de trabalho ou processos) e preparar os materiais, depois é só pedir para qualquer outra pessoa codificar, seja lá um estudante ou algum free lancer. Programar é simples, difícil é ter a ideia.
NJ: Agora, gostaria de conhecer sobre o Mellow Club (www.mellow-club.org comunidade virtual voltado à terceira idade, cuja missão é promover uma ‘sociedade longeva’). A sra. é a fundadora do grupo?
MW: Sim, mas sou apenas um dos fundadores.
NJ: Como foi que você conheceu os demais fundadores?
MW: Atualmente o Mellow Club é uma ONG e suas atividades acontecem em um site, na internet. Antes do surgimento da internet de banda larga, usávamos a internet discada. Nessa época, nós administrávamos fóruns. Quando o fórum foi extinto com o surgimento da internet banda larga, decidimos nos tornar independentes e fundamos uma ONG chamada Mellow Club.
NJ: Vocês já se conheciam pessoalmente ou só virtualmente?
Tem algumas pessoas que cheguei a conhecer pessoalmente e outras que só conheço virtualmente. Em alguns casos, até temos melhores amigos “desconhecidos”.
NJ: Hoje em dia isso é até comum, mas imagino que as coisas eram bem diferentes 30 anos atrás. Não tinha nenhum receio de ter contato com alguém que não sabe nem como era o rosto dele?
MW: Acho que só reuniam pessoas que não tinham esse tipo de receio no nosso grupo. Aliás, até hoje é assim, né. E tem aumentado o número de membros de fora do Japão, como de Sidney, de Calgary, no Canadá. Temos também pessoas que migraram para outros países, mas que sentem falta da língua japonesa. Nesses casos, entrando no Mellow Club, a própria pessoa vai se beneficiar podendo conversar conosco em japonês e os integrantes do Japão também pode conhecer como é a vida no exterior. Como, por exemplo, sabemos como foi a pandemia no Japão, mas não como foi em outro país. Aí, perguntamos “como foram as coisas aí?”. Por isso, as pessoas do Brasil também são muito bem-vindas! Só precisam saber se inscrever através da nossa plataforma online. Fora isso, qualquer pessoa que saiba japonês e seja letrado digital (uma pessoa que compreende e utiliza de forma crítica a informação gerada na era da internet) para conseguirem se dar bem com todos do grupo.
NJ: Acredito que a demanda aqui no Brasil é bem grande. Mas infelizmente ainda são poucas pessoas que são da geração que entendem japonês e sabem também mexer no computador ou smartphones. Por isso, gostaria que se inspirassem em Maachan.
MW: Nós do Japão também temos muita curiosidade de conhecer como é a vida aí no Brasil. Acho que é só algumas pessoas que já tenham noções básicas sobre computador tomarem a iniciativa de entrar no grupo para se tornar conhecido entre brasileiros também. A maioria dos integrantes são idosos, mas não temos restrição de idade e temos integrantes jovens também.
NJ: Acredito que assim como Maachan disse antes, aqui no Brasil tem muitos japoneses que migraram para cá e sentem saudades da língua japonesa, por isso seria ótimo conhecerem que tem grupo como Mellow Club.
Ótimo! Nem que seja uma única pessoa que já tenha conhecimento básico de letramento digital podia fazer parte do nosso grupo. Essa pessoa com acesso a nossos conteúdos podia mostrar para outras pessoas, se precisar podem traduzir para o português também, seja lá com Google Tradutor. Acho que podiam começar com algo assim.
NJ: Voltando ao assunto sobre programação. A sra. escolheu Swift como a linguagem de programação. Tem algum motivo específico para ter escolhido essa linguagem?
MW: É que, coincidentemente, nessa época aprendia sobre programação, eu usava iPhone. Aliás, até hoje eu uso iPhone. Mas através de um dos colaboradores, lançamos o “Hinadan” para sistema Android também.
NJ: Este universo do mundo da programação está em constante mudança. O que Maachan faz para se atualizar? Por exemplo, tem momentos de leitura ou de pesquisa na internet para estudar novas informações dentro da sua rotina diária?
MW: Eu acabei me tornando muito ocupada nesses últimos tempos. Acabo tendo dificuldade de encontrar uma folga para mim. Eu gosto muito de ler, mas nem para isso eu tenho conseguido um tempinho.
NJ: A senhora realiza palestras de motivação dentro e fora do Japão. Qual é a faixa etária do público que participa?
MW: Parece ter mais gente entre 50 e 70 anos. Acho que algumas dessas pessoas com mais de 75 anos acabam pensando que já está tarde demais para levar uma vida como a minha também. Já as pessoas em torno de 60 anos têm curiosidade sobre como serão suas vidas quando chegarem na minha idade. Faz bem elas ouvirem relatos de alguém que se diverte na velhice, quando elas estão refletindo em como envelhecer.
NJ: A sra. conheceu o atual CEO da Apple, Tim Cook. Sobre quais assuntos conversaram?
MW: Expliquei a ele que os smartphones são difíceis de manusear pelos idosos. Não se tratando somente da Apple, parece que a indústria de computadores nunca tinha considerado os idosos, pensando em como nós usaríamos seus produtos. O Japão é um país desenvolvido sobre questões da população envelhecida, mas daqui para frente outros países também enfrentarão o mesmo caminho.
NJ: Conseguiu construir uma amizade com ele?
MW: Ah, sim, com certeza. Ele sabe dar ouvido a coisas que outras pessoas também falam. Depois de alguns anos do nosso primeiro encontro, quando ele veio ao Japão a trabalho, disse que queria saber como eu estava e fez questão de me reencontrar.
Por exemplo, a Dinamarca é um país líder em sociedade digitalizada. Lá, quando alguma instituição pública, como a prefeitura, vai criar um aplicativo, existe uma lei que proíbe o uso de comandos swipe e slide. O modo como eles lidam com essas questões é de outro nível. No Japão, há dois ou três anos, o ex-primeiro-ministro Suga finalmente criou a Secretaria Digital, mas há muitos outros países que já estão mais desenvolvidos que o Japão.
NJ: Talvez o Brasil possa aprender bastante nessa questão com o Japão.
MW: De fato, os países da América Central e do Sul tendem a ser atrasados. Mas El Salvador, por exemplo, adotou a bitcoin como moeda de curso legal, o que antes era só o dólar americano. De agora em diante, os países que até então eram considerados em desenvolvimento ou até mesmo de terceiro mundo, podem progredir de forma mais rápida. Em contrapartida, os países já desenvolvidos são mais difíceis de adotar esse tipo de novidades. Por isso, acho que países com menos de dez milhões de habitantes progredirão nos próximos tempos. Assim como na Ásia, Coréia do Sul e Cingapura são bastante desenvolvidos.
NJ: Steve Jobs revolucionou o mercado de celulares e computadores. O que a Maachan diria a ele se o pudesse encontrá-lo?
MW: Bom, acho que ele tinha uma personalidade forte, então… Eu o admiro, mas acho que não seríamos tão bons amigos (risos). Mas é inegável que ele tenha criado tendências. Foi uma pessoa incrível.
NJ: O que a Maachan tem como “ikigai” (objetivo da vida)?
MW: Eu nunca pensei sobre objetivos da vida ou em me desafiar a fazer alguma coisa. Eu só faço o que eu quero no momento que eu quero. Daqui para frente também, se me surgir alguma vontade nova, eu vou colocar em prática.
NJ: Qual a mensagem ou o legado que a senhora gostaria de deixar para as próximas gerações?
MW: Acredito que para levarmos uma vida divertida, a companhia de amigos é essencial, isso é para pessoas de qualquer geração, inclusive idosos. Mas infelizmente não é com todos que conseguimos encontrar com facilidade. Nesses casos é que devemos usufruir do computador e da internet para ampliar mais nosso network, principalmente os mais velhos. O mais importante é a interação social, seja pessoalmente ou on-line. Por isso indico fortemente a todos se integrarem na era digital.
(Lika Shiroma)