Já se passaram mais de 40 anos desde que o Brasil, que antes dependia de importações de produtos agrícolas, passou a ser considerado o celeiro de alimentos do mundo. Um dos fatores que levaram ao rápido aumento da autossuficiência alimentar do Brasil e sua transformação em uma grande nação exportadora é o projeto nacional de desenvolvimento do cerrado iniciado em 1979. O Japão se ofereceu para fornecer assistência técnica e financeira e lançou o Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados (Prodecer). Como resultado, as terras agrícolas aumentaram em 65%, o volume de produção aumentou em 500% e a produtividade aumentou em 300%, e o Brasil atualmente é um dos principais fornecedores de alimentos do mundo, produzindo 40% dos grãos do mundo.
Naquela época, a taxa de autossuficiência alimentar do Brasil estava em declínio gradual e as preocupações com a segurança alimentar estavam crescendo, então a cooperação financeira e técnica do governo japonês, juntamente com o desenvolvimento do Cerrado pelos imigrantes japoneses e seus descendentes, foram um dos fatores que mudaram a situação alimentar no Brasil.
Neste artigo, visitamos São Gotardo, em Minas Gerais, onde imigrantes japoneses e nipo-brasileiros se estabeleceram e que produz 30% da cenoura, vegetais folhosos e alho do país. Este lugar é famoso como um “caso modelo de desenvolvimento do Cerrado”.
Savana tropical e proprietários de terras que recusavam os japoneses
Quando José Luiz Borges se tornou prefeito de São Gotardo em 1973, ele percebeu a crise na cidade, que não tinha empregos nem recursos financeiros, e foi até o município de Patrocínio para discutir a situação. Ele foi apresentado a uma proposta de desenvolvimento do Cerrado e ao Gervásio Inoue, presidente da Cooperativa Agrícola de Cotia – Cooperativa Central (CAC), que tinha grande influência no mercado na época. Quando o prefeito Borges levou o assunto para a cooperativa, eles demonstraram interesse.
Naquela época, grande parte da região do Cerrado era de propriedade privada. Então, quando abordaram um proprietário de terras, um dos mais ricos do estado de Minas Gerais, este disse algo surpreendente. Ele disse: “Não queremos aceitar japoneses, que são como pardais [que destroem tudo aonde chegam]”.
Diante disso, o prefeito Borges convidou o então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, a São Gotardo e o fez persuadir os proprietários de terras, e naquele mesmo ano, mais de 60 japoneses e nipo-brasileiros se estabeleceram na área e começaram a desenvolver o Cerrado.

O clima que levou ao sucesso
Muitos dos colonos que se estabeleceram em São Gotardo começaram a produzir grãos como arroz, soja e café em áreas limitadas. No entanto, devido a uma onda de frio em fevereiro, o arroz foi infectado pelo fungo da brusone.
Conversando com Yoshifumi Tanaka (84, província de Tottori) sobre o que aconteceu na época, ele contou que depois de trabalhar em Itatiba e Botucatu, no estado de São Paulo, começou negócio próprio e produzia batatas, mas não teve sucesso. Então, por volta de 1973, ao consultar um patrono do CAC, foi sugerido que fossem com ele para São Gotardo, e então ele e sua família se mudaram.
Tanaka continuou cultivando batatas em São Gotardo. Depois de plantar sementes de batata em 150 hectares, não choveu por 45 dias e ocorreu uma seca. “As batatas não cresceram e sofremos uma perda enorme”, disse. O patrono de Tanaka retirou-se de São Gotardo após essa experiência dolorosa, mas Tanaka, atraído pelo clima frio a uma altitude de mil metros, ficou e continuou a cultivar.

“Os pesquisadores me disseram que podem melhorar o solo pobre, mas não podem mudar o clima, e que San Gotardo tem um clima favorável.” Encorajado por essas palavras, Tanaka manteve-se perseverante e experimentou diversas culturas.
Com base em sua experiência anterior, Tanaka acreditava que o milho cresceria bem, então imediatamente plantou 50 hectares. “Sou o primeiro produtor de milho aqui”, disse Tanaka com sorriso.
Como até então ninguém tinha produzido milho na região, a Cooperativa de Cotia em São Gotardo não tinha onde armazená-lo, então pegaram emprestado o frigorífico do governo do estado de Minas Gerais. Tanaka também disse que não tinha a rota de distribuição.
Certa vez, ao perceber que um caminhão que transportava batatas também carregava milho, ele fez acordo com o motorista, estabelecendo uma rota de distribuição. Atualmente, o milho também é produzido em grandes quantidades em São Gotardo e usado para melhorar o solo após o plantio de cenoura e alho.
70% da produção nacional de cenoura vem de São Gotardo
São Gotardo, localizado a uma altitude de mil metros, tem clima ameno, solo adequado, chuvas moderadas e irrigação, o que torna possível o cultivo de cenouras o ano todo. Esse potencial foi descoberto pelos japoneses enquanto produziam uma variedade de vegetais e grãos.
Como resultado, a maioria dos agricultores produz cenoura, respondendo por 70% da produção de cenoura no Brasil. A empresa comercializa para os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Bahia e outras regiões, além de países como Uruguai.

Após a falência da Cooperativa Agrícola de Cotia, em 1994, foi fundada a Coopadap (Cooperativa Agropecuária do Alto Paranaíba). Localizada na entrada da cidade, ela conta atualmente com 677 funcionários trabalhando em 129 fazendas. A associação, que comemorou seu 30º aniversário no ano passado, construiu um museu memorial em suas instalações e realizou uma cerimônia de inauguração em fevereiro deste ano.
O museu exibe entrevistas em vídeo com pioneiros e exposições dos equipamentos usados na produção agrícola, detalhando suas conquistas até o momento.
A Coopadap está preocupada com o número decrescente de sucessores dos atuais agricultores e, portanto, está se concentrando em treinar mulheres. Eles também visitam escolas próximas para dar aulas de agricultura para crianças.
Há também muitas grandes empresas agrícolas em São Gotardo que não fazem parte do sindicato. Makoto Sekita, que se tornou prefeito da cidade em janeiro deste ano, dirige a Sekita Agronegócios, que emprega mais de 1.500 pessoas e conta com mais de 50 agricultores parceiros.

A família Sekita começou a cultivar quando os pais de Makoto imigraram do Japão para o estado do Paraná. Tamio, o mais velho de três irmãos, estabeleceu-se em Sekita Agronegócios em 1974 como membro da Cooperativa Agrícola de Cotia. Makoto então se mudou para São Gotardo com seus pais em 1982.
Atualmente, a empresa possui 90 mil hectares de terra e produz principalmente cenouras, alho, vegetais folhosos, beterraba e leite. A empresa produz 100 mil toneladas de alimentos por ano.
Eles criam cerca de 5 mil cabeças de gado, das quais cerca de 2 mil são vacas leiteiras. É considerada a quarta maior produtora de leite do Brasil e a maior de Minas Gerais, dando suporte à indústria de laticínios.

São Gotardo, que antes não oferecia oportunidades de emprego para seus moradores, agora gera uma abundância de empregos, com muitas pessoas vindas do Nordeste. O Cerrado, que foi desenvolvido com a contribuição de japoneses e seus descendentes, se transformou em uma grande região agrícola que cultiva uma variedade de vegetais, até exportando para o exterior.