
“Eu penso muito diferente do japonês”. Com esta frase a comediante Ramune se define, dando pistas de como é o tom de suas apresentações. Não só pensa como age, inclusive. Sua vocação é levar humor e alegria através do “rakugo”, uma forma de comédia tradicional japonesa. Se depender da calorosa recepção que tem obtido, a profissional – ou “rakugoka” vai longe.
Com uma trajetória bem diferente do que da maioria dos brasileiros em terras japonesas, a nikkei nasceu no Japão. Ela visitava com frequência o Brasil para visitar parentes e já passou pela cabeça voltar para a terra natal dos seus pais. “Meu pai preferia o Japão por questões de segurança”, destaca ela, cuja ênfase mudou a sua vida.
Ao optar pela residência fixa e estudos no arquipélago, Ramune concluiu a faculdade de artes no Japão e deu início à carreira no teatro. “Era um musical, eu nem era a principal, mas o meu mestre me viu e me chamou”, relembra ela. A “chamada” era para atuar em um outro segmento teatral, mas como “rakugoka”.
Aos ocidentais, falar sobre humor é fazer alusão a estilos de sucesso no Brasil (stand up, pastelão, pegadinhas, esquetes, dentre outros), mas o “rakugo” nada tem a ver com estes formatos. Trata-se de um tipo de humor tradicional, onde o comediante fica sentado diante de uma plateia apenas falando. Sem usar grandes artefatos, o profissional só usa um leque e lenço para simular itens e aguçar a imaginação do espectador.
Existem dois tipos de rakugo: “shinsaku” e “koten”. O primeiro traz temas atuais ou criação original, pode ser conforme a vontade criativa do comediante. Já o segundo é o texto mais tradicional, mas com um detalhe: é passado de mestre para discípulo. A graça do koten, portanto, mora na habilidade de contar histórias, mesmo que o público saiba o texto. Com algumas adaptações, a forma como o comediante conta a piada é gera a risada no público.

A região “kantô”, localizada na região leste do Japão, é a mais tradicional do meio humorístico tradicional. Para se tornar um profissional de respeito, é necessário decorar mais de 50 histórias de koten rakugo e treinar por muito tempo, algo em torno de 10 a 15 anos, até se tornar um mestre. Por outro lado, se for da região “kansai”, na região oeste, o comediante pode se tornar respeitado em pouco tempo conforme o seu sucesso com o público. Ramune é da província de Kanagawa, região leste, e diz que “não sei se esperarei tanto para ser mestre”. “Mas eu quero fazer algo diferente, eu já misturei rakugo com música, dança, com outros idiomas. E brigam comigo por tentar coisas novas. Mas o meu mestre não liga e me incentiva”, diz.
Lugar de homem – A cultura tradicional japonesa é, normalmente, dominada por homens. Artes como “Kabuki” – teatro japonês popular- só é permitida atuação de homens, tendo até atores específicos para papéis femininos. Ou mesmo na culinária, cujos chef são todos homens, pois a mão de mulher “não é boa” para “niguiri” (bolinho de arroz). E no rakugo não é diferente, claro. Os grandes comediantes dessa área são homens. Mas, assim como em muitos setores da sociedade, recentemente tem aumentado o número de mulheres no meio. “Ainda não é muito, mas já tem alguma mudança”, argumenta com expectativas Ramune. “Recebo críticas, falam ‘por que mulher tá fazendo rakugo’. Mas eu quero mudar isso”.

Quebrando barreiras – “Eu sei que eu tenho uma forma diferente de olhar as coisas de um japonês”, Ramune reconhece seu diferencial. “Quando eu era pequena, não entendia porque os pais dos meus amigos não abraçavam ou beijavam como os meus. Hoje, eu entendo a diferença de cultura. Mas os meus pais me ensinaram que isso não é vergonhoso. Recebi muito amor deles”.
“Tenho 28 anos, ainda sou muito nova para o rakugo. Mas acho que isso pode ser a minha força. Tenho um pensamento diferente. Sou nikkey, não tenho vergonha da minha ascendência. Acho que por isso, acabo sendo muito original”, finaliza ela.
Ramune fez uma apresentação bem legal para o canal do Youtube da Fundação Japão, o “WAGEI, a arte da expressão verbal”. Confira: