COLUNA: O cochilo da Princesa Kako e os limites da exposição digital

por Mario Jun Okuhara

Durante visita oficial ao Brasil, em comemoração aos 130 anos das relações diplomáticas entre Japão e Brasil, a princesa Kako foi filmada cochilando em um voo comercial, na classe econômica. O vídeo, publicado nas redes sociais, provocou reação imediata da Agência da Casa Imperial japonesa, que classificou o registro como uma “clara invasão de privacidade”. A postagem, feita sem consentimento, suscitou questionamentos éticos e jurídicos — especialmente em um momento em que o Supremo Tribunal Federal brasileiro caminha para redefinir os limites de responsabilidade das plataformas digitais quanto aos conteúdos postados por usuários.

No dia 11 de junho, o STF formou maioria para reinterpretar o artigo 19 do Marco Civil da Internet, abrindo caminho para que plataformas possam ser obrigadas a remover conteúdos ilegais ou criminosos mesmo sem ordem judicial, especialmente no caso de discursos de ódio, fake news, desinformação ou publicações que ofendam direitos de terceiros. A discussão também traz à tona dilemas como o da princesa Kako: afinal, um simples vídeo de uma autoridade dormindo em público configura violação de direitos?

Em 13 de junho, a agência imperial divulgou ter solicitado à operadora do X, anteriormente conhecido como Twitter, que investigasse se o vídeo violava as diretrizes da plataforma. O X, em princípio, proíbe o compartilhamento de vídeos gravados sem autorização.

A resposta não é simples. Do ponto de vista jurídico, como pontuou o advogado Yuichi Nakazawa ao jornal Asahi Shimbun, o espaço de um voo comercial não é considerado exatamente “privado” — o que dificultaria uma eventual ação por violação de imagem. Por outro lado, mesmo figuras públicas — inclusive membros da realeza japonesa — que não votam — mas possuem direitos fundamentais, têm direito à privacidade. O vídeo não foi feito em uma cerimônia oficial, mas em um momento de descanso entre compromissos, algo absolutamente humano, com ou sem título de nobreza.

A comoção gerada pela imagem remete a episódios semelhantes, como o cochilo da princesa Diana durante um evento oficial nos anos 1980 — cena eternizada não como escândalo, mas como sinal de exaustão e humanidade. Da mesma forma, a imagem de Kako dormindo durante um voo exaustivo em sua turnê por oito cidades brasileiras, entre os dias 4 e 17 de junho, está longe de ser embaraçosa. Ao contrário: foi recebida com simpatia por humanizar a figura da monarquia japonesa e aproximá-la do público, quebrando a rigidez cerimonial que costuma envolvê-la em visitas oficiais.

O episódio serve, portanto, como espelho para o debate que travamos no Brasil: até onde vai o direito à exposição em nome do interesse público? E quem deve ser responsabilizado quando essa linha é ultrapassada? O julgamento do STF será retomado no dia 25 de junho e dificilmente irá abalar o sono da princesa Kako, mesmo que ela esteja tirando um cochilo a 10 mil metros de altura.

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