Coluna: A lanterna da cultura oriental que ilumina o Brasil: 50º aniversário dos suzuran-tos

Suzuran-tos (luminárias japonesas)

O Cine Niterói, que transformou a rua Galvão Bueno, uma rua escura mesmo durante o dia, na “Rua Japonesa”

No festival de mochitsuki (preparação do bolinho de arroz) realizado pela Associação Cultural e Assistencial da Liberdade (ACAL) no último dia do ano, seu ex-presidente do conselho deliberativo Yataro Amino mencionou: “O dia 25 de janeiro de 1974, aniversário de fundação da cidade de São Paulo, foi um grande marco para a Liberdade. A partir daquele momento, o grupo de encontro informal se transformou na Associação Comercial e Industrial da Liberdade, e instalamos o torii e os suzuran-tos [luminárias japonesas]. Foi graças a isso que a Liberdade de hoje existe. No último mês de janeiro, completamos 50 anos daquele marco, mas lamento que não tenhamos realizado nenhuma comemoração”. Isso me fez perceber que eu deveria escrever algo sobre o 50º aniversário da ACAL.

Segundo o livro “Liberdade” (Associação Comercial e Industrial da Liberdade, 1996, https://www.brasilnippou.com/iminbunko/Obras/58.pdf), a rua Galvão Bueno, paralela à av. Liberdade e anteriormente uma área residencial com árvores densas que a tornavam escura mesmo durante o dia, passou a ser chamada de “Rua Japonesa” devido à construção do Edifício Niterói, de 5 andares, em 23 de julho de 1953.

Hoje, a rua Galvão Bueno é tão movimentada quanto a uma avenida principal, enquanto a avenida Liberdade parece mais rua secundária. No entanto, na época, era diferente. O edifício foi construído por Yoshikazu Tanaka, imigrante japonês que fez grande sucesso como comerciante de grãos e abrigava o cinema Cine Niterói (no subsolo, com capacidade para 1.500 pessoas), um hotel, um salão de festas e uma grande cantina, sendo uma espécie de “complexo de entretenimento para os imigrantes japoneses”.

O livro descreve: “Quando a rua Galvão Bueno era coberta de névoa à noite, o brilho do neon vermelho do Cine Niterói se refletia. Para entrar no cinema, era preciso estar bem vestido, com terno e gravata, caso contrário, era expulso por funcionários” (página 60, versão PDF).

Antes e após a Segunda Guerra Mundial, os imigrantes japoneses eram frequentemente alvo de perseguições, e as tensões cresciam, levando a disputas internas. Muitos não tinham para onde voltar após a derrota do Japão e estavam emocionalmente sobrecarregados. Para esses imigrantes, o Cine Niterói se tornou um lugar de escapismo, um ponto de encontro que oferecia uma maneira de se reconectar com o Japão e aliviar as dificuldades. Aos poucos, começaram a considerar o Brasil como sua nova pátria.
Por curiosidade, “Niterói” pode parecer o nome de uma cidade no Rio de Janeiro, mas, na verdade, era uma abreviação de “Heróis (勇士) do Nitto (日東)” onde “Nitto” referia-se ao Japão, visto do ponto de vista da China como o país do “sol nascente”. Em tempos de desprezo pela cultura japonesa, o Cine Niterói era um lugar onde se poderia ver filmes sobre “heróis japoneses” (página 58).

Edifício Cine-Niterói

O lugar onde os imigrantes japoneses encontraram alívio para a saudade da pátria

O pintor Hajime Higaki, em uma mesa-redonda do livro, comentou: “Muitos imigrantes japoneses vinham de regiões distantes, viajando por três dias, assistiam a filmes, comiam sushi e udon, e depois retornavam” (página 80).

Em resumo, muitos imigrantes japoneses que haviam vindo ao Brasil para trabalhar e ganhar dinheiro se deparavam com uma dura realidade: não conseguiam economizar, sofriam preconceito por serem considerados cidadãos de um país inimigo durante a guerra e, mesmo querendo voltar, estavam presos no Brasil, cada vez mais distantes de sua terra natal. De repente, 20 anos haviam se passado.

A saudade de casa era um problema psicológico sério. Naquela época, não era possível assistir à televisão japonesa, acessar informações pela internet ou viajar de avião para o Japão. Se ficassem 10 anos sem poder retornar, muitos acabariam desenvolvendo problemas psicológicos.

É provável, imagino, que mais da metade dos imigrantes japoneses na época estivesse nessa “saudade coletiva”. A única maneira de aliviar essa “doença de saudade” era encontrar diversão em uma “pátria virtual”. E esse lugar era a Liberdade.

Logo na entrada do Jardim Japonês [nome em japonês do Jardim Oriental] na rua Galvão Bueno, há uma inscrição no monumento com a frase: “Em cada montanha e rio, existe amor e vida” (de Andou Mamon). Este haikai expressa a saudade pela terra natal, sentida pelos imigrantes que, mesmo estando em terras estrangeiras, viam aquele lugar como uma espécie de “pátria”.

Embora Ando Mamon tenha um poema comovente, “O cheiro do missô flui pelo ar, este é o bairro japonês”, também escreve sobre a vida difícil dos imigrantes, como “Um país estrangeiro que me faz chorar quando o hino nacional é cantado” e “A brisa da primavera acaricia minhas palmas erguidas”.

Presidentes da associação Yoshikazu Tanaka e Takeshi Mizumoto

Pioneiros como Yoshikazu Tanaka e Takeshi Mizumoto criaram o modelo atual

Para os imigrantes que trabalhavam na agricultura no interior do Brasil, viajar por 3 dias de trem e chegar ao bairro da Liberdade; assistir a filmes; comer comida japonesa e conversar em japonês trocando notícias com outros hóspedes do hotel _se tivesse imigrante da sua província que falasse mesmo dialeto, teriam conversa saudosa_ eram o máximo de entretenimento.

Enquanto sentado em frente à tela da sala de cinema, o sentimento era “estar de volta no Japão”, saboreava a pátria na cantina, sentia o cheiro, falava a língua e curava a nostalgia. De olho nos japoneses que se concentravam no bairro, surgiram vários estabelecimentos comerciais nikkeis, como cantinas, restaurantes, joalherias, lojas de souvenir, lojas de alimentos, livrarias, farmácias, hotéis, clubes e boates.

Em abril de 1958, foi formalizada a transferência do Centro Cultural Japonês (atual Bunkyo), que ficava numa sala de um prédio na praça da Liberdade, para a esquina entre as ruas São Joaquim e Galvão Bueno. Nos 50 anos da imigração, foi feito um arco na rua Galvão Bueno para receber o Príncipe Mikasa. O festival comemorativo ocorreu em 18 de junho.

Em 21 de abril de 1964, o Centro Cultural foi inaugurado. O grupo de encontro de lojistas nikkeis da Liberdade foi criada em 1965, com Yoshikazu Tanaka como diretor. Em 1966, surgiu a Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil com 33 membros.
Em maio de 1968, numerosos estabelecimentos são despejados devido às obras da Linha Norte-Sul do metrô. Em junho, ocorre o festival dos 60 anos da imigração. Em 12 de outubro, o prédio do Cine Niterói foi fechado para construção de via expressa. O local foi escavado, dando lugar à avenida Radial Leste-Oeste, e a rua Galvão Bueno ganhou um viaduto. Em outubro de 1969, foi assinado o acordo de cooperação entre São Paulo e Osaka, tornando-se cidades irmãs. Em 1970, o viaduto recebeu o nome de Cidade de Osaka.

O bairro da Liberdade, imediatamente ao sul da Praça da Sé, centro histórico e geográfico de São Paulo, tornou-se um ponto crucial de tráfego, com o cruzamento da avenida Liberdade (início do corredor rodoviário de Sé até Jabaquara), a Radial Leste (via expressa), e a Linha Norte-Sul do metrô.

Entre 1969 e 1975, durante seis anos de obras, a região foi assolada pela poeira, o que causou grandes dificuldades aos comerciantes. O sr. Amino lembra: “Naquela época, com as duas grandes obras do metrô e da via expressa, foi a maior crise desde que a Liberdade começou”.

Em 1969, a região foi integrada ao processo de expansão da atual Linha 1 do metrô de São Paulo. No entanto, as estações São Joaquim e Liberdade só foram inauguradas seis anos depois, em fevereiro de 1975. E agora, em 2025, completam 50 anos.

Por causa das obras da Radial Leste, o prédio do Cine Niterói, que ficava no centro do bairro japonês, foi demolido, e a praça da Liberdade foi escavada para obras do metrô. A poeira vermelha (poeira de barro) se espalhava pelas lojas, sujando as mercadorias, e, com a chuva, os clientes deixavam de frequentar a área. O Sr. Amino lembra: “Por causa disso, muitos comerciantes não conseguiram pagar o aluguel e fecharam as lojas”.

Para transformar essa crise em uma oportunidade, foram criados o torii (instalado em 23 de janeiro de 1974) e os suzuran-tos (luminárias, acendidas em 18 de junho de 1975). O sr. Amino recorda: “O sr. Takashi Mizumoto, presidente da Associação Comercial da Liberdade na época, e outros estavam muito preocupados com a situação. Então, surgiu a ideia de criar um símbolo marcante, e, quando sugeri a construção de um torii, o sr. Mizumoto gostou da ideia. Desde o início, o objetivo não era um significado religioso, mas sim a criação de um símbolo turístico. Coletamos dinheiro de todos os membros e construímos”.

Para evitar que os clientes se afastassem, foi realizado o primeiro Festival Oriental em 27 de novembro de 1969, com Bon Odori, na praça da Liberdade. Em 1973, começaram as obras do Jardim Japonês da rua Galvão Bueno. O desenho do torii e do calçadão e a letra do hino da Liberdade foram escolhidos por concurso.

Em 28 de janeiro de 1974, o grupo de encontro social de lojistas foi reorganizado e passou a se chamar Associação Comercial da Liberdade, com o Sr. Takashi Mizumoto assumindo a presidência. Em novembro, a primeira fase das obras da rua oriental foi concluída. Em 23 de março de 1974, teve início o teste da Linha Norte-Sul do metrô, e, em 17 de fevereiro de 1975, a linha foi estendida até a Liberdade.

Em 18 de junho de 1975, a segunda fase das obras da rua oriental foi concluída e os suzuran-tos foram acesos. Em 14 de setembro do mesmo ano, teve início o primeiro Mercado de Artesanato Oriental na praça, que hoje é um evento semanal Mercado Oriental, aos sábados e domingos.

Em 8 de abril de 1976, em parceria com a Federação Brasileira de Budismo, foi realizado o Festival das Flores. Algumas lojas na rua Tomás Gonzaga lideraram a iniciativa de nomear a área como “Rua do Sabor – Rua Suzuran”. Em 31 de dezembro, o primeiro evento de preparo de mochis (bolo de arroz) foi realizado e transmitido ao Japão no programa da TV pública NHK “Ano que Vai, Ano que Chega”.

Em 18 de junho de 1978, começaram as aulas de ginástica radiofônica na praça da Liberdade. No mesmo mês, foi realizado o primeiro Festival Tanabata. Em 1981, o Nikkey Palace Hotel começou as atividades. Em 1988, foi iniciada a construção do Centro Cultural Oriental (prédio da ACAL). Por volta do ano 2000, a Associação Comercial da Liberdade foi renomeada para Associação Cultural e Social da Liberdade.

Nos anos 1950, especialmente pelo Cine Niterói, de Yoshikazu Tanaka, os japoneses começaram a se reunir na vizinhança. Entre os anos 1960 e 1970, uma grande quantidade de lojistas nipo-brasileiros uniu forças para formar a associação comercial, construir o torii, os suzuran-tos, o Jardim Japonês e o Centro Cultural Oriental, além de realizar diversos eventos como o Festival das Flores, Tanabata, Festival Oriental e a preparação do mochi, tudo como uma luta para garantir a sobrevivência comercial do bairro.

Suzuran-to, um símbolo da cultura japonesa no Brasil

Yataro Amino

Quando perguntei ao sr. Amino: “O suzuran-to foi feito imitando os postes de iluminação de alguma cidade no Japão?”, ele me surpreendeu dizendo: “Na verdade, aquilo é um ‘chōchin’ (lanterna de papel). Depois, alguém deu o nome chique de ‘suzuran-to'”. De fato, ao revisar as fotos da “suzuran-to” (literalmente lanternas de lírio-do-vale) no Japão, percebi que o formato é bem diferente. O suzuran-to foi criado com um grande investimento de 4 milhões de cruzeiros (cerca de 1975) por parte da Prefeitura de São Paulo.

O sr. Amino explicou: “Houve uma grande oposição de vereadores, que diziam: ‘Como pode ter postes de iluminação tão bonitos enquanto em outras partes da cidade não há nem esgoto?’ Mas o então prefeito Miguel Colasuonno conseguiu passar isso à força. Sou muito grato ao esforço dele e do vereador Celso Matsuda (na época) para fazer essa proposta virar realidade. O projeto de design foi escolhido por meio de concurso, e a ideia da lanterna foi a vencedora”.

Na metade da década de 1970, em um período de crise, foi formada a estrutura do que hoje é o “Bairro Oriental”. Não posso deixar de admirar a união e o impulso dos comerciantes nipo-brasileiros da época, que transformaram aquela crise em uma oportunidade.

Agora, meio século depois, restam alguns comércios nipo-brasileiros. Muitos dos imigrantes japoneses que vivenciaram as perseguições durante a guerra já faleceram, e, de certa forma, pode-se dizer que a Liberdade cumpriu seu papel como uma “pátria virtual”.
No entanto até hoje o “Bairro Oriental” continua prosperando, sendo um dos principais pontos turísticos de São Paulo, sempre cheio de turistas brasileiros. Embora o bairro tenha começado como uma área voltada para a cultura japonesa, hoje abriga restaurantes e lojas de chineses, taiwaneses, coreanos, filipinos e tailandeses, formando um verdadeiro centro asiático. O investimento contínuo dos comerciantes locais tem mantido vivo o espírito desse bairro, criando a atual versão do “Bairro Oriental”.

O que transformou aquele “bairro com árvores altas e sombrias mesmo durante o dia” em um destino turístico foi a chegada dos imigrantes japoneses após a Segunda Guerra Mundial, que vieram em busca de cura para seus corações feridos.

Mas, mais do que a história de um povo específico, é importante que todas as histórias sejam respeitadas, e é isso que a Liberdade representa, um lugar onde culturas diversas se entrelaçam. Hoje, posso me orgulhar de dizer que os imigrantes japoneses desempenharam um papel fundamental na formação do maior Bairro Oriental da América Latina, contribuindo para a convivência multicultural do Brasil.

Este ano, celebramos o 50º aniversário da iluminação dos suzuran-tos. O “chōchin” (lanterna de papel) veio da China, mas foi aprimorado ao estilo japonês. Antigamente, era iluminação portátil a vela. Talvez seja a luz que os imigrantes trouxeram consigo para iluminar o Brasil o que o suzuran-to representa. (Masayuki Fukasawa)

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