Quando saiu do Brasil, aos 19 anos, Rogério Igarashi Vaz seguiu basicamente o mesmo plano daqueles que embarcavam rumo ao Japão em busca de um futuro mais promissor: trabalhar muito, economizar e retornar ao país de origem com um bom dinheiro para poder, quem sabe, abrir um negócio ou bancar os estudos em uma universidade. Vinte anos depois o nikkei seguiu direitinho as duas primeiras etapas. Já a volta ao Brasil quase aconteceu, mas os rumos da vida o levaram para um lado totalmente inesperado. Hoje, comanda um bar famoso – o Trench -, considerado um dos 50 melhores da Ásia, e é referência mundial na coquetelaria.
A trajetória de sucesso culminou com uma participação na série “Ásia Alternativa”, produzida pela gigante de streaming Netflix. No primeiro capítulo, “Tóquio, Japão”, Igarashi conta como conseguiu se destacar em um país de cultura totalmente diferente e escalar posições em uma profissão peculiar. “Não imaginaria estar à frente de um bar, servindo clientes e preparando drinks”, relembra ele. “Participar da série foi uma grande alegria e um reconhecimento pelo trabalho que desenvolvemos com afinco”, diz.
À frente do Bar Trench há mais de dez anos, ele é referência em coquetelaria, conquistando o paladar de japoneses e de um júri especializado: está, desde 2017, entre os 50 melhores bares da Ásia, em votação do “Asia Best Bars”, considerado um “Oscar” no segmento. “Foi uma coroação de trabalho, sempre com muita dedicação. Aos poucos conquistamos o paladar do público, mesmo tendo apenas 13 lugares no balcão. Estar na Netflix e nessa premiação mostra que estamos no caminho certo. Porém, nunca foi um objetivo conquistar prêmios, é mais o resultado e a consequência da trajetória até aqui”, reflete.
Trajetória essa, aliás, que lembra a de milhares de brasileiros que emigraram ao Japão. Era 1994 quando Rogério, então com 19 anos, decidiu desbravar a terra de seus avós, do outro lado do mundo. O plano era ficar um ano e retornar. O tempo passou e, quatro anos depois de sua chegada, um fato marcaria uma mudança de rumo: uma viagem à Nova Zelândia.
Virada de chave – “Nesse período tive contato com snowboard e o pessoal resolveu ir para a Nova Zelândia. Comprei uma passagem e fui”, explica. Como não dominava o inglês, Igarashi teve problemas na entrada do país já na área de imigração do aeroporto. “Precisava preencher um formulário e não consegui. Fiquei retido por algumas horas, sendo entrevistado e questionado”, relembra. Após conseguir a liberação, teve de lidar com outra empecilho: chegar até o hotel, pois não havia celular com internet ou aparelho GPS, “somente um mapa em papel mesmo”. Aos trancos e barrancos finalmente encontrou o local e, na hora de fazer o check-in, não conseguiu, novamente, preencher o cadastro. “Até que um senhor que estava atrás de mim se ofereceu para ajudar. Lembro claramente dessa cena, inclusive do nome dele. Nunca esquecerei isso”, acrescenta.
Após curtir as paisagens deslumbrantes da Nova Zelândia, ele retornou ao Japão com um sentimento de que deveria eliminar barreiras para explorar novos locais. Ou, em bom português, “não passar mais perrengues”. E, para tanto, o caminho era aprender o inglês – de preferência em um país onde a língua era utilizada constantemente. “No Japão seria inviável”, relembra. “Então liguei para minha família no Brasil e comuniquei que iria para o Canadá. Lá, sim, aprenderia o inglês e não passaria mais apertos por não saber me comunicar. Fiz as malas e fui. Estudei um ano”, conta. Já a família, diz, ficou bem preocupada. “Eles se preocuparam muito, pois praticamente gastei todo o meu dinheiro que juntei trabalhando no Japão nesse intercâmbio. Hoje, olhando para trás, foi arriscado, mas valeu a pena”.
Aprender japonês ‘na marra’ – De volta ao Japão, era hora de dominar o idioma japonês. Para tanto, matriculou-se na Universidade Takushoku, no curso de língua japonesa. Morando em Tóquio, arrumou um emprego em um restaurante latino, começando “de baixo” mesmo. “Lavava pratos e só depois comecei a servir clientes. Foi assim que fui inserido na parte de gastronomia”, destaca. Mesmo assim, por vezes o dinheiro não era suficiente para pagar todas as contas, afinal, morar em Tóquio tem um custo de vida alto. “Mas nunca pensei em sair dali. Estava tendo contato com japoneses, conhecia pessoas novas. Financeiramente era muito melhor estar na fábrica, morar em um lugar mais distante, mas vi que isso já estava um pouco longe dos meus objetivos à época. Diversas vezes pensei em largar tudo e voltar ao trabalho em linha de produção, mas algo me dizia que não era hora”, complementa Igarashi.
A intuição estava certa. Após conhecer um empresário do ramo de bares, logo veio o convite para trabalhar em um deles. Como já existiam muitos estabelecimentos que serviam uísque, a ideia de introduzir o absinto trouxe um ar de inovação para a cena noturna de Tóquio. Aos poucos, a bebida foi se popularizando. Depois de muita pesquisa e verificar quais tendências funcionariam, em 2012 o Bar Trench abria as portas, desta vez voltado a coquetéis. Uma experiência marcante para Rogério.
“Abrimos as portas para todos e criamos uma carta de coquetéis que agradou bastante a clientela. A propaganda foi no boca-a-boca mesmo e fomos conquistando novos clientes. Hoje, temos muitos japoneses, mas também diversos turistas que chegam no bar e querem provar os coquetéis. Um reconhecimento que veio ao longo do tempo, não foi de uma hora para outra. Dia após dia tenho focado em trabalhar duro e, hoje, vejo os resultados. Se lá atrás tivesse largado tudo, hoje não estaria aqui”, explica.
Fora da curva – Olhando para trás, Igarashi faz um breve balanço da trajetória. Como tudo em sua vida, o inesperado sempre esteve presente, gerando novas oportunidades. Bastou seguir o plano (e a intuição) para conquistar cada degrau de uma vez. Diferentemente da maioria dos dekasseguis, ele conseguiu se consolidar no Japão, mas empreendendo na própria sociedade japonesa. “E tudo isso por conta de ter esse olhar um pouco diferenciado da realidade, de não me fechar em um pensamento. Sempre observei ao meu redor para obter os caminhos que poderia seguir. Foi assim quando saí do Brasil, quando fui para o Canadá, retornei para cá para estudar… estar em movimento é treinar o olhar para o que está acontecendo”, resume.
A palavra “sonho” nunca foi uma constante em sua vida. Planejamento de longo prazo, para ele, servem mais como algo distante, o que pode dificultar a caminhada. Segundo o próprio Igarashi, “sonhar traz uma sensação de que aquilo está muito longe. Se eu fosse dar uma dica, seria trabalhar no curto e médio prazo. Olhar em que momento você está, o que está acontecendo. Dali pode surgir muitas ideias, gerar oportunidades. E, quando aparecer, basta agarrar e trabalhar com afinco, tendo um objetivo. Nunca imaginei trabalhar em um bar e muito menos fazendo drinks, porém hoje estou aqui. Feliz”, explica, após mais um dia de labuta e morrendo de saudades da esposa (japonesa) e da filha de seis anos. “Minha vida está aqui, minha família está aqui. De tempos em tempos volto ao Brasil para passear ou para trabalhar também. [recentemente ele participou virtualmente do ‘The Shochu Week 2022’, curso para profissionais de bares]. Tenho um caminho a seguir no Japão”, finaliza.
Confira um vídeo em qiue Rogério Igarashi mostra lugares bacanas com bares no Japão: