ARTIGO: Um código de conduta para um esporte promissor

Por Mario Jun Okuhara

Neste ano em que comemoramos os 130 anos do Tratado de Comércio e Amizade Brasil-Japão, refletimos sobre as inúmeras contribuições dos imigrantes japoneses ao Brasil. No esporte, o Judô e o Karatê se consolidaram como modalidades populares, formando atletas de alto nível, como Rafaela Silva e Francisco Filho, que levaram o nome do país ao cenário mundial. Agora, o Kendo busca ampliar sua participação e almeja um espaço nos Jogos Olímpicos. O tema gera debate: até que ponto a tradição pode se adaptar sem perder sua essência?

O Kendo, que carrega a tradição dos samurais, é ainda uma prática segmentada no Brasil. Para evoluir como esporte olímpico e garantir sua expansão e sobrevivência, é fundamental fortalecer seu aspecto esportivo e educacional. No Brasil, o Kendo precisa ir além dos limites da comunidade nipo-brasileira. Não é raro vê-lo restrito às apresentações em intervalos de festivais de karaokê ou em pequenos eventos culturais. Esse tipo de exibição já não atrai visibilidade, nem novos praticantes. Pelo contrário, reforça estereótipos arcaicos e desperta o interesse apenas de quem viu “O Último Samurai” com Tom Cruise, ou “Shogun” na Netflix. Uma das saídas é a mudança de mentalidade, que deve começar na base. O equilíbrio estará na criação de um código de conduta unificado para as academias, que garanta a formação de atletas éticos e comprometidos com os valores dessa arte marcial.

A recente carta aberta enviada ao presidente da Confederação Brasileira de Kendo é um sinal claro da necessidade de mudança. Encaminhada pelo Sensei com quatro décadas dedicadas ao Kendo, o documento propõe a criação de um código de conduta para os atletas, incluindo diretrizes sobre redes sociais, comportamento e proteção das mulheres praticantes. Seguindo o caminho do Judô, um conjunto de regras éticas será essencial para um futuro promissor da modalidade.

Muitos defensores do Kendo argumentam que torná-lo um esporte olímpico poderia diluir seus valores tradicionais, transformando a prática em uma mera disputa por pontos. Mas sejamos realistas: quantas pessoas fora do Japão e da Coreia conhecem o Kendo? No Brasil, um país com mais de 210 milhões de habitantes, há pouco mais de 1.500 praticantes. Sem visibilidade, sem incentivo e sem novos adeptos, o Kendo corre o risco de ficar estagnado, restrito a pequenas academias com professores voluntários que lutam para mantê-lo vivo.

Partida de Kendo(Harald Hofer, via Wikimedia Commons)

O que aconteceu com o Judô nos Jogos Olímpicos pode servir de exemplo. Algumas regras foram ajustadas, mas isso não destruiu a modalidade – pelo contrário, ajudou a popularizá-la e trouxe investimentos. Hoje, o Judô é um dos esportes mais vitoriosos do Brasil, formou gerações de atletas e mantém os valores trazidos pelos imigrantes japoneses.

Entretanto o verdadeiro desafio não é se tornar um esporte olímpico, mas sim garantir que o Kendo não perca sua essência nesse processo. Para isso, um código de conduta unificado deve servir como base na formação dos atletas, estabelecendo regras claras sobre ética, respeito, comportamento e proteção às mulheres.

Além de preservar os princípios filosóficos da modalidade, esse código ajudaria a combater práticas antiéticas que, em qualquer esporte de alto nível, podem surgir diante da pressão por vitórias e medalhas. Reforçaria também um dos pilares fundamentais do Kendo: a construção do caráter e da disciplina de seus praticantes. O Kendo não é apenas uma luta com espadas de bambu; é uma arte que ensina perseverança, autocontrole e respeito, valores essenciais para qualquer atleta e cidadão. Independentemente do contexto competitivo, todos os praticantes de Kendo devem compartilhar esses princípios dentro e fora das academias.

A missão é de todos os atletas, instrutores, árbitros e dirigentes.

Adotar um código de conduta é um passo essencial para que o Kendo não apenas sobreviva, mas prospere e ganhe o reconhecimento que merece.

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