Um clima de emoção e uma sensação alívio, marcou a cerimônia realizada no último dia 9, na sede da Associação Okinawa Kenjin do Brasil, no bairro da Liberdade, em São Paulo, em homenagem às pessoas que contribuíram para o êxito no Processo de Retratação aos Imigrantes Japoneses no Brasil pelas Graves Violações Ocorridas Durante a Segunda Guerra Mundial e no Pós-Guerra perante à Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Estiveram presentes o presidente da AOKB, Ritsutada Takara; o cônsul geral do Japão em São Paulo, Toru Shimizu; o presidente do Conselho Deliberativo do Bunkyo – Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Jorge Yamashita; o presidente da Kenren – Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil, José Taniguti; o presidente da Enkyo – Beneficência Nipo-Brasileira de São Paulo, Paulo Saita; o presidente da Aliança Cultural Brasil-Japão, Eduardo Yoshida; do representante da Câmara de Comércio e Indústria Japonesa do Brasil, Marcos Haniu (vice-presidente da Comissão de Intercâmbio Nipo-Brasileiro); o presidente da Fundação Kunito Miyasaka, Roberto Nishio; do diretor do Escritório Regional de Marília, Walter Ihoshi; os vereadores Aurélio Nomura, George Hato e Rodrigo Goulart; o assessor parlamentar do deputado estadual Márcio Nakashima, Oscar Hiramatsu; o presidente honorário da Sociedade Beneficente Casa da Esperança Kibô-no-Iê, Jairo Uemura; o presidente da Assistência Social Dom José Gaspar Ikoi no Sono, Izumu Honda; o presidente do Cooper Clube, Carlos Fujii e o conselheiro da ABJICA (Associação dos Bolsistas Jica-SP), Massahaki Shimada.
Homenagem – Na oportunidade, a AOKB homenageou os membros da Comissão pela Retratação aos Imigrantes Japoneses: Eiki Shimabukuro (diretor de Assuntos Internacionais da AOKB/CCOB, ex-presidente da AOKB e membro da Comissão de Exibição do Documentário Okinawa Santos, do cineasta Yoju Matsubayashi); o professor Akira Miyagui (do Centro de Pesquisas da Imigração Okinawa no Brasil e também membro da Comissão de Exibição do Documentário Okinawa Santos); Milton Sadao Uehara (ex-presidente da AOKB e membro da Comissão de Exibição do Documentário Okinawa Santos); Ana Maria Tamashiro Higa (diretora, idealizadora e coordenadora dos Fóruns e Mesas Redondas da AOKB, cujos familiares sofreram as graves violações de direitos, no episódio da expulsão ocorrido em Santos); e a atriz Bruna Aiiso (que contribuiu para a exposição da audiência histórica).
Pedido de desculpas – A iniciativa da AOKB simbolizou uma luta vitoriosa iniciada há nove anos pelo produtor audiovisual Mário Jun Okuhara e que culminou com a audência realizada no dia 25 de julho, em Brasília, ocasião em que a Comissão de Anistia reconheceu a repressão e perseguição política sofrida por imigrantes japoneses na década de 1940 e pediu desculpas em nome do Estado brasileiro.
Contextualização – Coube ao presidente da AOKB, Ritsutada Takara, contextualizar a história do processo de retratação. “É uma história muito emocionante, que mostra o sofrimento de todos os imigrantes japoneses e seus descendentes durante a guerra e no pós-guerra. O processo do Mario Jun Okuhara, se refere ao pós-guerra, de 1946 a 1948, que é relativo aos 172 prisioneiros imigrantes japoneses que foram parar no Presídio da ilha de Anchieta [localizado em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo]. Desses 172, mais de 140 eram inocentes. Lá no processo constam no prontuário do DOPS [Departamento de Ordem Política e Social] que eles não tinham cometido nenhum crime. Foram presos somente pelo fato de falarem o idioma japonês e terem se reunido em mais de três pessoas”, contou Ritsutada.
“Todos esses 172 presos eram, em sua grande maioria, agricultores e lavradores, ou seja, não eram inimigos da pátria, não eram terroristas e muito menos nocivos ao Brasil, porque eram assim que eram chamados. Eles foram humilhados e envergonhados”, disse Ritsutada, lembrando que a AOKB apoiou a causa nas gestões, primeiro, do presidente Eiki Shimabukuro, e posteriormente do Milton Sadao Uehara.
Documentário – Ele lembrou que, na época, o documentário “Okinawa Santos” – o lado obscuro da história oculta da imigração, do cineasta japonês Yoju Matsubayashi, que aborda a passagem ocorrida em 8 de julho de 1943 em que 6.500 imigrantes japoneses que viviam no litoral santista foram obrigados a deixar suas residências, abandonar seus bens, suas propriedades no prazo de 24 horas e sair somente com a roupa do corpo, levando seus filhos e seus doentes, já estava pronto e o livro Muribushi, de Akira Miyagui, “já estava no forno”.
Tais materiais “abasteceram” o processo de Mario Jun, que não esteve presente na cerimônia de congraçamento realizada na AOKB justamente por ter que dar continuidade ao seu trabalho investigativo.
Ritsutada Takara, aliás, destacou o mérito de Mario Jun “por ter iniciado e ter a coragem de ter protocolado esse processo”. “Além disso, ele trabalhou incansavelmente para que ele tivesse êxito”, disse o presidente da AOKB, explicando que, tão logo a audiência foi marcada, “organizamos uma caravana para Brasília”.
“O que o Mario Jun nos passou depois – de acordo com os próprios membros da Comissão de Anistia – é que eles nunca tinham presenciado algo parecido, com tanto público no auditório e com um comportamento exemplar”, disse Ritsutada, que fez questão de agradecer todos que participaram da caravana.
Resultado satisfatório – Em seu discurso, o cônsul geral frisou que “os nikkeis brasileiros são um símbolo do duradouro e valioso laço que une o Japão e o Brasil” e que, por conta disso, “o governo japonês tem acompanhado atentamente as deliberações da Comissão de Anisita do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania”.
Segundo o cônsul, o pedido de desculpas aos imigrantes e descendentes japoneses “foi um resultado bastante satisfatório e desejado pelos peticionários e entidades nikkeis responsáveis por esta iniciativa e que participaram deste ato”.
Reflexão – Presidente do Conselho Deliberativo do Bunkyo, Jorge Yamashita parabenizou todos que trabalharam e se empenharam para “esse resultado tão significativo”. Segundo ele, “trata-se de um momento importante para refletirmos sobre a vida humana e de como surgem esses intermináveis conflitos”.
Já José Taniguti fez questão de frisar que esteve presente na caravana que foi a Brasília, “na condição de presidente da Kenren”. Ele lembrou que,como conselheiro da Associação Japonesa de Santos, já tinha assistido à produção de Yoju Matsubayashi em duas oportunidades.
“Foi uma injustiça muito grande. Mais de 60% das pessoas que foram obrigadas a abandoras suas residências em 24 horas eram imigrantes de Okinawa, mas também tinha gente que não era de Okinawa. Por isso essa comemoração é de todos os japoneses”, justificou Taniguti.
Alívio – Paulo Saita lembrou que a perseguição aos imigrantesjaponeses ocorreu durante a ditadura de Getúlio Vargas, entre 1937-45, e no governo do então presidente Eurico Gaspar Dutra, de 1946-51. Segundo o presidente da Enkyo, “esse desfecho, forçando os imigrantes japoneses a deixarem suas casas, causou medo e pânico”. E que os 172 imigrantes presos na Ilha Anchieta foram acusados de crime contra a segurança nacional e a esses japoneses foram impostos restrições de direitos, confinamento em campos de concentração, expulsão e confisco de bens”.
Lembrou que o requerimento foi protocolado inicialmente em 2015 e recusado em 2021 pela Comissão de Anistia no governo do então presidente Jair Bolsonaro. “Foi solicitada reconsideração e só agora no governo de Luiz Inácio Lula da Silva entrou em pauta. O pedido de desculpas foi conduzido no dia 25 de julho pela presidente do Colegiado Eneá de Stutz e Almeida em sessão que contou com a presença dos ministros Alexandre Padrilha, das Relações Institucionais, e Silvio Almeida dos Direitos Humanos e Cidadania”, recordou Paulo Saita, destacando que o pedido de desculpas foi aprovado por unanimidade.
Alívio – Segundo ele, “a grande maioria dos japoneses que foram torturados já se encontram no plano espiritual”. “Mas acredito que estão sentindo um grande alívio na alma com essa retratação”, finalizou o presidente da Enkyo.
Para Eduardo Yoshida, “quem teve família que passou por isso deve sentir bastante esse fato histórico”. E explicou que teve conhecimento desses fatos recentemente. Por fim, o presidente da Aliança Cultural Brasil-Japão também parabenizou todos os envolvidos pelo êxito no processo.
Fato mais significativo – Marcos Haniu,da Câmara de Comércio e Indústria Japonesa do Brasil foi além. Para ele, “a Câmara reconhece que, talvez, esse seja o fato histórico mais marcante da história da migração japonesa aqui no Brasil”. “Eu acompanhei a sessão de Brasília pelo YouTube e creio que foi um dos momentos mais emocionantes e mais significativos da história da migração japonesa aqui no Brasil”, afirmou, lembrando que a Câmara de Comércio e Indústria Japonesa do Brasil é composta por 185 multinacionais japonesas e 121 empresas brasileiras.
“E sem dúvida nenhuma nós reconhecemos a contribuição da comunidade okinawa, ou seja, dos imigrantes okinawamos, dos seus filhos, dos seus netos, e talvez agora até dos bisnetos, para a constituição e operação dessas empresas”, disse.
Voto de Júbilo – Em sua fala, o vereador Aurélio Nomura disse que, “se formos verificar, nós vamos notar que a grande maioria das famílias que vieram antes da guerra e depois pós-guerra, sofreram todas essas injustiças e guardaram no coração para que isso não extrapolasse e não contaminasse a relação entre os descendentes de japoneses e o povo brasileiro”.
“Muita gente sequer conhece essa passagem, mas agora, com o reconhecimento do governo brasileiro, acredito que aquelas pessoas que sofreram esses atos, estão aqui presentes na noite de hoje de alma, contentes, alegres e agradecidos pelo trabalho que foi realizado”, disse o vereador, que entregou aos membros da Comissão Voto de Júbilo de Congratulações concedidos pela Câmara Municipal.
Injustiça histórica – Segundo justificativa do parlamentar, “os imigrantes e os seus descendentes sofreram os piores momentos no seu dia a dia, durante a ditadura do Estado Novo, quando foram submetidos a abomináveis constrangimentos físicos e morais, discriminação racial, perseguição política e pessoal, restrição total à liberdade, além de prisão e confinamento na ilha Anchieta de forma indistinta, encarcerando centenas de inocentes”.
“Além disso, centenas de famílias de imigrantes japoneses que viviam nas regiões litorâneas foram expulsas de suas residências tendo de abandonar as propriedades do dia para a noite apenas com a roupa do corpo”, diz o requerimento, lembrando que a AOKB há nove anos vinha lutando para que o governo brasileiro reparasse uma injustiça histórica e pedisse perdão aos japoneses que vivem no Brasil no período pós-guerra”.
George Hato parabenizou todos os membros da AOKB “por buscar a reparação histórica junto à Comissão de Anistia do Mistério dos Direitos Humanos pelo ataque de xenofobia ocorrido no Brasil contra os imigrantes japonês no período da Segunda Guerra Mundial”.
Futuras gerações – Em seu discurso de agradecimento, Akira Miyagui agradeceu o proponente Mario Jun Okuhara e o cineasta Yoju Matsubayashi, que deram bastante visibilidade ao processo. Ele lembrou ainda que, antes da audiência do dia 25 de julho, os membros da Comissão realizaram várias reuniões preparatórias e agradeceu a ajuda de todos os envolvidos.
Para Eiki Shimabukuro, os acontecimentos se passaram há quase 80 anos e “não tem como voltar a fita para reparar o sofrimento, a humilhação e a tortura que as pessoas sofreram”. “Mas para aqueles que já não estão aqui, nós vamos informar que tudo era mentira, que ser chamado de espiões e outros nomes era tudo falso. E o governo brasileiro reconheceu isso e pediu desculpas oficialmente. Então resta dizer para eles que descansem em paz”, disse Eiki, afirmando que “essa reparação não é só para o passado”.
“O passado já foi. Não tem como reparar o estrago que foi feito naquela época para as pessoas que já se foram. Mas é para nós, que estamos aqui hoje, e para futuras gerações, para que esse tipo de atrocidade e humilhação em relação aos direitos humanos, nunca mais aconteça”, disse.
Orgulhosos – Ao jornal Nippon Já, a atriz Bruna Aiiso, que vive a personagem Laurita na nova Terra e Paixão, da Globo, e que fez um importante trabalho de levar essa história para as novas gerações, explicou que “quando eu penso em propósito de vida, eu penso nisso”. “Já fico feliz de ter ajudado mesmo que seja um pouquinho. O que eu posso fazer para ajudar os meus, para ajudar a minha família, a minha comunidade, os meus ancestrais, eu vou fazer. Acredito que se meus avós estivessem aqui na noite de hoje, eles certamente estariam felizes e orgulhosos do meu trabalho”, explicou a atriz.
Milton Sadao Uehara, ex-presidente da AOKB e também membro da Comissão de exibição do documentário Okinawa Santos, acredita que muita gente nem sabia sobre essa passagem. “Eu mesmo não tinha conhecimento. Quando eclodiu essa guerra, essas perseguições, meu pai já tinha 23, 24 anos, e, particularmente, não passou por esses problemas, tanto é que ele nunca falou nada disso pra gente. Só ficamos sabendo muito tempo depois. Então, acredito que é uma coisa mais para as futuras gerações que, vendo esse documentário, vão ter oportunidade de conhecer essa história e lutar para que os direitos humanos sejam preservados para a vida eternamente, para que isso não aconteça mais em nenhum lugar do mundo”.
Passo importante – Para Ana Maria Tamashiro Higa, foi dado um passo importante com a retratação. No entanto,isso só não basta. “Acho que isso precisa ser divulgado dentro da comunidade porque muita gente não conhece essa história. a gente precisa estar debatendo constantemente e contando essa história para que isso chegue também até as escolas, desde ensino fundamental até o ensino superior”, disse Ana Maria, que fez questão de elogiar o trabalho do produtor Mário Jun, que foi “muito resiliente, corajoso e confiante”.
No final, o presidente da Fundação Kunito Miyasaka, Roberto Nishio, comandou o brinde.
(Aldo Shiguti)